Nutrição geral

A gordura ómega-3 e os tratamentos do cancro

O cancro é uma doença devastadora, por vários motivos… Em primeiro lugar, pelo impacto óbvio que pode ter na qualidade de vida do paciente, principalmente nos casos em que existem metástases. Em segundo lugar, porque se trata de um inimigo que além de ser silencioso (numa fase inicial) também é invisível. Devido a isso, não há garantias de que o combate que se trava contra o cancro tenha um desfecho favorável, e isso causa uma sensação de impotência enorme em quem passa por este problema. Em terceiro lugar, porque se trata de uma doença que requer um apoio constante de familiares e amigos, afetando por isso de forma muito relevante a vida de várias pessoas além do paciente. Por último, mas não menos importante, porque os tratamentos realizados, seja quimioterapia ou radioterapia, normalmente provocam vários efeitos secundários na pessoa, que comprometem significativamente o estado físico e psicológico do paciente. Ou seja, somando tudo, trata-se de uma doença extremamente cruel, com um impacto terrível na qualidade de vida de quem passa pela mesma.


Uma das consequências frequentes da quimioterapia e da radioterapia na região abdominal são problemas intestinais. As células do intestino apresentam uma taxa de renovação muito elevada, que assegura um funcionamento correto do mesmo. Qualquer um dos tratamentos referidos compromete esta capacidade de renovação e, consequentemente, tem um potencial impacto negativo na integridade intestinal. Como consequência, são frequentes os quadros de dor abdominal, vómitos, diarreias e outras complicações digestivas. Um dos fatores envolvidos nos problemas digestivos referidos é a disbiose, ou seja, a presença de desequilíbrios desfavoráveis entre a comunidade de bactérias que habita o nosso intestino – a microbiota intestinal (mais informações sobre a microbiota intestinal neste post). Esta disbiose pode estar relacionada com a manutenção de um estado inflamatório no intestino (por vezes chamada de mucosite intestinal) e, consequentemente, com problemas intestinais no paciente. Uma vez que a gordura insaturada ómega-3 (ou n-3) tem potencial anti-inflamatório, tem-se especulado sobre a possibilidade de utilizar esse macronutrimento como um aliado contra a mucosite intestinal.

 

Os tratamentos de radioterapia e quimioterapia têm, frequentemente, um impacto negativo na microbiota intestinal, causando desequilíbrios que podem afetar a integridade e o funcionamento do intestino.

 


Recentemente foi publicado um artigo na revista científica Advances in Nutrition que procurou integrar toda a informação existente sobre o impacto que a gordura n-3 tem na disbiose associada aos tratamentos de radioterapia e quimioterapia. Apesar da informação atual ser ainda reduzida, as evidências apontam para que um consumo elevado (mas adequado!) dessa gordura poder, de facto, atenuar a inflamação intestinal e reduzir a disbiose.


Estes dados parecem-me bastante importantes, pois sugerem uma possível intervenção nutricional que pode ajudar a minimizar alguns dos efeitos secundários associados ao tratamento do cancro. Obviamente que a altura de consumo e a dose são duas questões muito importantes, para as quais ainda não existem respostas definitivas. No entanto, isso não desvaloriza nem atenua os potenciais benefícios descritos. Também me parece relevante referir que estou a falar num nutrimento que pode e deve ser obtido a partir da alimentação, e só quando tal não é possível é que se deve recorrer à suplementação. Nunca é demais recordar que a suplementação com determinado nutrimento não tem necessariamente o mesmo impacto que o consumo da mesma quantidade desse nutrimento quando é proveniente dos alimentos. Para terminar, gostaria de deixar claro que o consumo de gordura ómega-3 não vai curar o cancro, nem afetar o prognóstico associado ao mesmo. Apenas pode ser interessante para que o paciente possa recuperar de forma mais eficaz de alguns dos efeitos secundários que podem surgir como consequência de alguns tratamentos realizados. Ou seja, os benefícios para a qualidade de vida do paciente podem ser (muito) evidentes…

 

O consumo de gordura ómega-3 parece ajudar a diminuir alguns dos efeitos laterais que a quimioterapia e a radioterapia provocam a nível intestinal

 

Referência do artigo citado: Adv Nutr 2019;10:133–147; doi: https://doi.org/10.1093/advances/nmy076

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