Não há dúvida que o que acontece durante a gravidez pode ter um impacto enorme no futuro da criança. E quando falo no futuro não me estou apenas a referir ao nascimento ou à infância, mas sim a toda a vida do filho. Atualmente sabe-se que há várias doenças que surgem na idade adulta que foram em certa medida “programadas” numa fase bem precoce da vida, mesmo antes do próprio nascimento! Apesar de a tendência ser para se valorizar principalmente os casos nos quais as crianças nascem com excesso de peso, um baixo peso à nascença parece ser sinónimo de um maior risco de aparecimento de várias doenças, tais como hipertensão (mais informações sobre a hipertensão neste post), doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2 (mais informações sobre a diabetes neste post). E esta relação parece ser particularmente forte, independentemente da existência (ou não!) de outros fatores de risco.
Ou seja, a gravidez é um período no qual todas as atenções devem estar canalizadas para proporcionar um desenvolvimento adequado e saudável da criança e da mãe, com um impacto óbvio no presente, mas também no futuro de ambas. Havendo uma associação clara entre um baixo peso à nascença e um maior risco de aparecimento de várias doenças crónicas, é provável que esta associação se possa estender a outros problemas de saúde, nomeadamente problemas que possam surgir durante a gestação e o nascimento dos filhos.
Um baixo peso à nascença tem vindo a ser associado a um maior risco de várias doenças crónicas, tais como diabtes tipo 2, doenças cardiovasculares e hipertensão.
Recentemente foi publicado um artigo na revista científica Obesity no qual se procurou perceber qual a influência do peso à nascença com o risco de aparecimento de complicações durante a gravidez, tais como pré-eclampsia, hipertensão gestacional e desenvolvimento do feto inferior ao esperado. Foi ainda avaliado se a obesidade materna poderia de alguma forma afetar essa influência. Globalmente observou-se que um baixo peso à nascença se traduz num risco aumentado de aparecimento de complicações durante a gravidez. A presença de excesso de peso ou obesidade durante a gravidez acentuou esta relação.
Este estudo apresenta dados muito curiosos, que ajudam a perceber a complexidade que rodeia cada instante da nossa vida. Neste caso em concreto, o simples facto de uma menina nascer com baixo peso, por si só, já aumenta o risco de, no futuro, quando se tornar adulta e engravidar, vir a sofrer de várias complicações durante a gravidez. Obviamente que a alimentação não será a única variável envolvida, mas não tenho dúvida nenhuma de que é um fator crucial. Há uma frase que eu digo muitas vezes – “É no presente que se escreve o futuro” – e este é mais um estudo que vem provar isso mesmo. Também me parece importante destacar que devido ao boom do excesso de peso/obesidade a nível mundial, aliado ao facto de que tradicionalmente uma grávida tem tendência a aumentar significativamente o seu peso, os esforços têm vindo a ser canalizados no sentido de combater um excesso de peso à nascença. Concordo que essa deve ser uma prioridade, pois sabe-se que crianças que nascem com excesso de peso podem vir a ter vários problemas de saúde no futuro. Mas não nos podemos esquecer que a situação contrária também não é favorável. Deve-se por isso tentar que o bebé se desenvolva de forma adequada, com um peso normal para a sua idade e estatura. Ou seja, nem a mais, nem a menos…
Um baixo peso à nascença aumenta o risco de aparecimento de várias complicações durante a gravidez no futuro.
Referência do artigo: Obesity (2019) 27, 237-244. doi:10.1002/oby.22375