A gravidez é um período crítico no qual se começam a deixar marcas (algumas irreversíveis!) no futuro dos filhos. Por exemplo, a exposição a substâncias tóxicas, como o fumo do tabaco ou o álcool, pode causar danos irreparáveis na saúde das crianças e deixar sequelas que se podem vir a manifestar no futuro. E se estes casos me parecem mais ou menos lógicos e óbvios, e reúnem consenso em quase toda a população, há outras variáveis que não podem ser ignoradas. Uma dessas variáveis é o peso da mãe antes e durante a gravidez. São vários os estudos que demonstram, por exemplo, que um ganho excessivo de peso durante a gravidez, aumentam o risco de excesso de peso no bebé (mais informações neste post), sendo que normalmente é referido que a presença de hormonas na circulação sanguínea da mãe pode afetar diretamente a composição corporal do bebé. Mas a relação pode não ser assim tão óbvia, pelo menos em parte…
Atualmente defende-se que, sempre que possível, os recém-nascidos devem ser alimentados exclusivamente com leite materno até aos 6 meses de idade. São muitos os argumentos que se podem destacar para esta recomendação, que vão desde a sua riqueza nutricional até questões mais económicas, emocionais ou mesmo ao nível da facilidade/comodidade de alimentação (mais informações neste post). Mas será que a composição do leite materno depende da composição corporal da mãe? E se de facto depender, será que estamos a falar de diferentes proporções de nutrientes, ou será que existem outras substâncias (os chamados compostos bioativos) no leite materno que podem afetar o seu papel como “alimento ideal” para os bebés? Estas questões podem parecer um pouco estranhas à primeira vista, mas na realidade sabe-se que há várias moléculas na corrente sanguínea cuja concentração depende, por exemplo, da quantidade de gordura corporal. Neste contexto, gostaria de destacar alguns marcadores inflamatórios, pois sabe-se que a obesidade está normalmente associada a um aumento dos mesmos. Devido a isso, considera-se a obesidade como uma doença que está associada a algum grau de inflamação crónica, aumentando dessa forma o risco de aparecimento de doenças crónicas, diabetes tipo2, alguns tipos de cancro, entre outros. Será que é assim tão estranho assumir que algumas destas substâncias possam aparecer no leite materno?
Recentemente foi publicado um artigo na revista Obesity no qual se analisou a associação entre o peso antes, durante a após a gravidez, com a presença de marcadores inflamatórios no leite materno. Genericamente observou-se que um excesso de peso antes da gravidez e um ganho excessivo de peso durante a gravidez estava associada a um aumento dos níveis de marcadores inflamatórios (proteína C reativa) no leite materno.
Este é um daqueles artigos que quando eu leio me deixam a pensar sobre aspetos menos óbvios da alimentação, e que me motivam a querer sempre aprender mais. Por muito que se vá sabendo e descobrindo, o nosso conhecimento é ainda muitíssimo limitado, e é isso mesmo que torna a nutrição uma área tão fascinante! Voltando ao estudo que eu referi, na realidade não prova que o consumo de leite materno de pessoas com obesidade induz inflamação nos bebés, apenas revela que a composição do leite materno reflete algum grau de inflamação da mãe. O impacto que o consumo destas substâncias inflamatórias tem ao nível dos bebés ainda não está estudado. Mas será que pode ser relevante num contexto de aumento de risco de doenças crónicas no futuro do bebé? Será que pode igualmente afetar o crescimento dos bebés? Será que o sexo do bebé pode ter algum tipo de influências nas possíveis consequências da exposição ao leite materno com mais marcadores inflamatórios? Estas são apenas algumas questões que permanecem por esclarecer mas que podem ter um impacto importante no desenvolvimento e na saúde das crianças, à medida que estas vão crescendo.